Imagine a situação: Você está mergulhando em um paredão cheio de vida, corais, muitos peixes passam à sua volta, um sonho de mergulho! O paredão se estende a até 60 metros de profundidade. Você já é mergulhador experiente, já tem fácil mais de 30 mergulhos e sabe que deve manter a sua profundidade a até um máximo de 18 metros, você está controlando e está bem, seu guia está próximo, seu dupla também é bem experiente! Durante o seu mergulho, no entanto, você sente que o seu colete está desajustado, apertado de um lado, folgado demais no outro. As ondulações na superfície fez com que a equipe do barco apressasse todos a cair rapidamente na água, você perdeu tempo batendo papo sobre o novo computador de mergulho que havia comprado e não quis cortar a conversa para mexer no equipamento que você tinha certeza que já estava pronto! E estava, ar estava na pressão adequada, todos os equipamentos ajustados, só esse colete que está meio torto! Você achou que isso não iria incomodar neste mergulho, mas 15 minutos nele e você percebe que precisa fazer algo, está te irritando aquele arrasto! Você não aguenta mais e está na hora de ajustar! Você sinaliza para a sua dupla que irá ajoelhar no chão para reajustar o seu colete. Como?? A sua dupla parece lhe dizer com olhos esbugalhados. Ele parecendo irritado te mostra o computador de mergulho, lá mostra 16 metros, e aponta para o fundo, seguido de um sinal de negativo com dedo em riste. Ainda faz um gesto tocando a cabeça como se perguntasse se você está maluco! Ih ,caramba, você pensa, ele tem razão! Mas no meu curso eu só aprendi a fazer isso de joelho! Será que dá para fazer flutuando? Hoje é o melhor dia pra testar isso??

 

Essa situação é mais comum do que parece e muitos mergulhadores têm várias histórias de situações parecidas! No entanto, se os mergulhadores fossem treinados desde o começo a resolverem todos os seus problemas em flutuabilidade neutra, essa situação não traria stress nenhum! E esse é o nosso assunto de hoje, como fazer com que desde o começo o seu aluno tire o joelho do chão!

 

Eu, como vários instrutores no mundo, fui ensinado desde o começo a colocar meus alunos de joelho no fundo. É mais fácil, me diziam. É melhor para controlar os alunos, insistiam. E assim eu segui por muitos anos, formei alunos, Dive Masters, vários níveis de mergulhadores com o joelho no chão, segundo o que me diziam, seguindo o procedimento, querendo fazer parte do time dos certos.Mas eu sempre achei que tinha algo de errado. E a internet, meu amigo, essa sim, é uma imensa aliada na eliminação da mediocridade e não demorou muito pesquisando no YouTube para eu encontrar instrutores que no primeiro mergulho, no primeiro contato do aluno com a água, já botava o aluno bonitinho flutuando neutro! Não era perfeito, claro, mas dava para ver que o aluno ganhava muito mais habilidade ao longo do curso fazendo isso o tempo todo, do que só fazer isso em dois exercícios, o tal do “pivô de nadadeira” e “palhacinho”! Quem nunca?

 

Isso me deixou frustrado. Como esses caras conseguem e eu não? Porque eles não seguem o padrão?? Nós é que estamos certos! Nós é que seguimos tudo à risca! Esse cara tá colocando mergulhador em risco! Mas será que está mesmo? Quem realmente está colocando o mergulhador em risco? O meu pode não estar em risco comigo naquele momento na água, mas será que eu ensinei ele mesmo a usar o equipamento? Vai ter sempre um fundo pra ele se ajoelhar? A minha cabeça não parava de contradizer o que eu tinha aprendido! Meu procedimento estava desafiando a lógica! Não tinha caminho, não tinha fuga, eu estava errado.

 

Tentando ainda me convencer, voltei a me lembrar do meu curso de instrutor! Ah! Lá eles exigiam que todos nós estivéssemos em flutuabilidade neutra! Então porque quando a gente simulava aluno a gente ficava de joelho? Se flutuabilidade neutra é bom pra mim, porque pro meu aluno não? Ah, agora lembrei! A gente queria que ele ficasse de joelho porque se o aluno disparasse para a superfície, ele estando de joelho eu conseguia segurar ele mais rápido e aí eu não reprovava no exame! Claro! Mas espera aí… no meu curso eu tava aprendendo a ensinar mergulho ou a passar na prova? É a mesma coisa? A resposta ecoando na minha mente era uma só: Não! 

 

Eu precisava de mais base! Resolvi então procurar nos livros de padrões! É certeza que ali vai estar! Tá tudo lá! Folheei, repassei, olhei, nada. Tinham menções de técnicas alternativas, mas nada dava uma resposta final! Bom, era hora então de eu tomar uma atitude! No meu próximo curso, meu primeiro exercício assim que afundarmos será flutuabilidade!

 

Chega então o dia! É hoje! Chamo meu Dive Master e falo com ele qual o meu plano. Ele vacila. Isso vai dar muito trabalho! São só dois alunos, vai dar certo! Sei não, ele duvida. Começamos o nosso curso como qualquer outro, montagem de equipamentos, teste de natação, entrada, alguns testes de respiração. Inicio o briefing de o que faremos lá embaixo. O DM me olha confuso. Os alunos, que nunca tiveram qualquer experiência prévia nem pestanejam, vão direto para o fundo com certa tranquilidade. Eu demonstro a flutuabilidade. Peço que eles repitam. Eles vacilam, erram, giram, batem braços. Caramba, isso não vai dar certo. Mas eu insisto. 15 minutos já passaram. Até quando nós vamos ficar aqui? Já quase desistindo. O DM me olha com reprovação. Eu ainda estava no primeiro aluno! Mas vejo de canto de olho que, apesar de eu ter instruído o segundo mergulhador a só fazer quando eu observava, meu DM já muito bem treinado já havia começado a treinar com ele. Isso me deixa menos tenso. Calma, não posso desistir na primeira. Calma. O aluno então, como num passe de mágica, parece entender o processo. Começa a controlar a respiração e por alguns momentos até paira imóvel. Sucesso! E o cumprimento! Que orgulho! Agora falta o outro! Olho pra ele e ele paira em meia-água olhando pra mim orgulhoso! Como não havia acompanhado desde o começo, peço pra ele fazer de novo. E ele consegue! Uma hora ou outra foi pra cima, mas conseguiu recuperar com pouco ou nenhuma ajuda! Ih, caramba! Ainda falta o resto do curso todo!

 

Voltamos à superfície, parabenizo meus alunos, falo a eles dos próximos exercícios que faremos. Aviso-os que a partir daquele momento, todos os exercícios serão em flutuabilidade neutra! Esperei por olhares nervosos e ansiosos dos alunos. Recebi olhares de confiança e calma. Eles não conhecem outra realidade! Já aprenderam desde o primeiro mergulho que devem ficar neutros, porque protestariam? Os alunos descem e ajustam suas flutuabilidades, não é perfeita, mas é muito boa! Fazem todos os exercícios flutuando! Retiram regulador, recuperam, tiram máscara, recuperam, tantas outras coisas em flutuabilidade quase que 100% do tempo neutra! Quando chego no exercício oficial de flutuabilidade, pra eles é como se não tivessem de fazer nada! Já estão há horas assim, o que são mais 3 minutos?

 

E o resultado em águas abertas? Sensacional! Claro, a densidade da água é diferente, precisam se acostumar, a água é mais gelada, mais salgada, mais agitada, mas é um tempo curto de adaptação. Mais ou menos até a metade do tempo do primeiro mergulho em águas abertas já estavam todos neutros! Aconteceu uma subida ou outra? Claro que aconteceu! Mas foi melhor controlado, voltaram com pouca ou nenhuma ajuda. Já dominava a situação!

 

Hoje muitos anos já se passaram desde essa experiência, minha carreira me levou a uma posição que hoje orgulhosamente formo desde o nível iniciante até instrutores de mergulho, mas todos eles sabem a exigência da casa, flutuabilidade neutra! 

 

E porque é importante que você, profissional de mergulho, também se esforce em ensinar o seu aluno em flutuabilidade neutra desde o começo? Ora, porque nem sempre o mergulhador formado terá um chão para ajoelhar! Quando você forma um novo mergulhador, você pode querer se enganar dizendo que você o formou, mas ele ainda precisa de prática e ele mergulhará com você para praticar! Quando você forma um novo mergulhador, você o formou para o mundo! Ninguém nunca mais vai perguntar pra ele se ele sabe desalagar uma máscara na vida, a não ser talvez que ele volte para cursos profissionais! Você não forma um mergulhador para passear com você! Eu tive uma aluna, que teve muita dificuldade para aprender a mergulhar, quis desistir, teve de fazer dias a mais de curso, precisou de ajuda privada, uma especialidade nossa aliás, tá no nome! Mas a verdade é que após alguns pânicos e pequenas desavenças, eu a certifiquei com orgulho! E onde foi seu próximo mergulho? Mergulhando com tubarões-martelo do outro lado do mundo! Me mandou um vídeo me agradecendo!

 

Agora imagina se essa menina cheia de medo que eu conheci fosse tratada sem esse tipo de respeito, se eu a tratasse como só mais uma aluna que precisa fazer os exercícios correndo e passar para o próximo? Será que ela estaria segura nesse mergulho? A flutuabilidade como um dos assuntos prioritários no curso Open Water é essencial, não só porque o aluno tem que ficar bonito na foto! Mas é a sua segurança, a sua confiança. Saber operar seu equipamento em várias situações que são aceitáveis para o seu nível de treinamento!

 

Por isso eu faço a você, profissional do mergulho, um apelo! Não se contente pelo mínimo, pelo mais fácil, pelo menor esforço. Forme grandes mergulhadores! Ensine essa técnica tão essencial aos seus alunos, sim, desde o primeiro curso! Que o seu aluno volte com você para fazer seu curso de flutuabilidade porque ele quer saber ainda mais técnicas e não porque você não o ensinou direito da primeira vez! Se precisar de ajuda, estamos aqui pra te ajuda! E lembre-se: Tira o joelho do fundo!

 

 

Vou aproveitar para mandar aqui um elogio à SDI, que foi a certificadora a qual eu optei por trabalhar agora já por tantos anos e uma das coisas que me conquistaram neles foi exatamente essa exigência da flutuabilidade desde o primeiro mergulho, até mesmo com um dos seus slogans sendo “Nós não nos ajoelhamos para ninguém!”. Descobrir isso foi o equivalente a eu ter encontrado a minha casa no mergulho! Se você também passa por esses mesmos desafios que eu passei vem nos conhecer! Quem sabe essa também não é a sua casa?

 

Bons mergulhos!